Pesquisadores desenvolvem teste molecular para hepatite Delta

Com alta endemicidade na Amazônia, a hepatite Delta afeta especialmente as populações mais vulneráveis. O diagnóstico é realizado por meio de exame sorológico o que não permite a identificação e quantificação da carga viral nos pacientes. Com os novos testes, será possível estabelecer relações entre a quantidade de vírus no organismo, o quadro clínico dos pacientes e a resposta ao tratamento utilizado.

terça-feira, 1 de agosto de 2023 |
A metodologia está sendo aplicada no Acre e em Rondônia, onde os pacientes crônicos são monitorados por meio do Serviço de Atendimento Especializado (SAE-Fundhacre) e o Ambulatório de Hepatites Virais no Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), em Porto Velho-RO. Foto: José Gadelha.

Pesquisadores da Fiocruz Rondônia em colaboração com a Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), o Centro de Infectologia Charles Mérieux e a Universidade Federal do Acre (Ufac) descreveram um método molecular para a quantificação da carga viral de indivíduos portadores de hepatite Delta (HDV), uma doença que apresenta caráter endêmico em regiões de prevalência da hepatite B (HBV). Apesar de sua importância no contexto de saúde pública, o diagnóstico molecular do vírus da hepatite Delta não está inserido na rotina dos laboratórios de referência do país, o que dificulta o conhecimento da real prevalência e o direcionamento dos portadores crônicos ao tratamento mais adequado.

A parceria entre essas Instituições iniciou no ano de 2022 e, em breve, será oficializada com a assinatura de um Acordo de Cooperação, o que permitirá expandir as ações de avaliação e caracterização de outras enfermidades de importância médica na Amazônia, além das hepatites virais.

Atualmente, o diagnóstico da hepatite Delta no Sistema Único de Saúde (SUS) é realizado por meio de exame sorológico que permite, apenas, a detecção de anticorpos contra o vírus, uma evidência de que a pessoa teve contato com o vírus.

Com este novo método molecular que estamos propondo, é possível realizar a detecção e a quantificação da carga viral na amostra do paciente, o que permite um melhor acompanhamento da doença, além de oferecer à equipe médica informações mais precisas sobre o comportamento do vírus no organismo e a evolução do quadro clínico”,

esclarece o pesquisador Jackson Alves da Silva Queiroz, um dos autores do estudo.

O resultado desse trabalho reflete o esforço de uma sólida rede de pesquisadores, é o que defende Daniel da Matta, diretor geral do Centro de Infectologia Charles Mérieux e Laboratório Rodolpho Mérieux (Fundhacre).  “Estamos falando de um grande avanço para a medicina, considerando que combater e tratar as hepatites deve ser um compromisso de toda a sociedade, principalmente quando pensamos no bem-estar das populações mais vulneráveis da nossa região, que têm acesso limitado aos serviços de saúde”, concluiu.

O estudo contou com a participação de 16 pesquisadores e foi publicado na Revista Scientific Reports da Nature. A virologista Deusilene Vieira, coordenadora da pesquisa, acredita que

esse trabalho favorece o entendimento da endemicidade e gravidade da doença na região Norte do país, pois contribui para a compreensão do comportamento do vírus Delta, sendo possível também verificar se existe relação significativa entre a quantidade de vírus nos indivíduos infectados com a progressão dos quadros considerados graves”.

O teste molecular para quantificação da carga viral da hepatite Delta foi desenvolvido para fins de pesquisa, podendo, no futuro, ser incorporado à rotina dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens). Contou com financiado de recursos do Programa Inova Fiocruz (Edital Inovação na Amazônia), Fundação Rondônia de Amparo à Pesquisa (Fapero) e Instituto Nacional de Epidemiologia na Amazônia Ocidental (INCT/EpiAmO), com apoio da Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz.

O método molecular encontra-se em fase de aplicação e acompanhamento aos pacientes que fazem parte do estudo, “o que significa que toda a parte de desenvolvimento já foi executada e, hoje, estamos na fase de monitoramento dos pacientes para identificar e descrever as possíveis relações entre o estágio atual da doença, a concentração de vírus no organismo e a resposta ao tratamento desses pacientes crônicos”, explicou a coordenadora do estudo.

A metodologia está sendo aplicada no Acre e em Rondônia, onde os pacientes crônicos são monitorados por meio do Serviço de Atendimento Especializado (SAE-Fundhacre) e o Ambulatório de Hepatites Virais no Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), em Porto Velho-RO. A expectativa é ampliar esse diagnóstico para um número maior de usuários, considerando que estamos falando de uma região endêmica para a hepatite Delta, e que esses dois estados possuem aproximadamente 2.000 portadores crônicos do vírus HDV, “daí, a importância de um diagnóstico molecular que mensure a quantidade de vírus circulante para o melhor acompanhamento e manejo dos pacientes”, ressalta Deusilene Vieira.

Vale salientar que a infecção pelos vírus da hepatite B e Delta pode contribuir para o desenvolvimento de uma doença hepática avançada mais grave. Além desta metodologia, o Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Rondônia desenvolve estudos voltados à detecção simultânea dos vírus B e Delta nesses pacientes, com foco em abordagens no sequenciamento desses vírus para a caracterização de possíveis genótipos e mutações que podem influenciar na resposta ao tratamento e evolução da doença.

As hepatites virais são doenças infecciosas que afetam o fígado. Atualmente, há cinco diferentes vírus reconhecidos como agentes etiológicos da hepatite viral humana: o vírus da hepatite A (HAV), hepatite B (HBV), hepatite C (HCV), hepatite D ou Delta (HDV) e o vírus da hepatite E (HEV).

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Texto: José Gadelha