Novas espécies de maruins são nomeadas em homenagem a pesquisadores da Amazônia

Achados se deram na área do Projeto de Assentamento Rio Pardo, localizado na BR-174, próximo ao município de Presidente Figueiredo-AM.

quinta-feira, 22 de abril de 2021 |

Estudo coordenado por pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) identificou a ocorrência de três novas espécies de maruins (Atrichopogon) com asas pintadas da família Ceratopogonidae (Diptera: Culicomorpha). De importância para o entendimento de fatores ligados a biodiversidade, a pesquisa demonstra ainda uma grande lacuna em relação ao conhecimento de espécies que podem estar relacionadas à transmissão de doenças comuns na Amazônia.

O estudo tem como autores os pesquisadores Emanuelle de Souza Farias, Sanmya Silva dos Santos, Jokebede Melynda dos Santos Paulino-Rosa e Felipe Arley Costa Pessoa. As três novas espécies de maruins foram descritas pelos pesquisadores e nomeadas como: Atrichopogon janseni sp. nov; A. riopardensis sp. nov.; e A. sergioluzi sp. nov. em homenagem a pesquisadores entomólogos que atuam na Amazônia e à localidade onde se deu o estudo. Em entrevista ao portal da Fiocruz Rondônia, o pesquisador Felipe Arley Costa Pessoa falou sobre a descoberta científica.

Para o campo de estudos com mosquitos, a exemplo dos maruins, por que é importante a descrição de novas espécies?

Felipe Pessoa: Toda espécie de animais, incluindo insetos que sugam sangue de outro organismo, irá servir de vetor para algum agente etiológico. Existe uma fauna muito diversificada e ainda pouco conhecida de insetos sugadores de sangue na Amazônia. Embora sempre se soube das doenças e desconforto causados por esses insetos na floresta, o estudo sistemático da diversidade dos mesmos continua sendo negligenciado. E por que são importantes? Porque muitos agentes etiológicos (agentes causadores de doenças) são também desconhecidos. Com a intensa mudança ambiental causada pelo desmatamento em áreas amazônicas, observa-se um maior contato do homem com animais sinantrópicos (aqueles que se adaptam a viver junto dos seres humanos a exemplo de ratos, pombos, morcegos dentre outros). Então, poder medir os impactos de mudanças na paisagem ambiental e na biodiversidade, ou incriminar novos vetores de possíveis doenças só fica realmente viável se conhecermos bem a fauna. E isso nós alcançamos por meio da pesquisa científica!

Neste caso, especificamente, os achados estão relacionados a coletas realizadas na região Presidente Figueiredo – AM. Mas, esses estudos também são realizados, pelo grupo de pesquisadores, em outras localidades da Amazônia?

Felipe Pessoa: Existem poucos pesquisadores em toda a região amazônica que trabalham com a família de maruins, em especial, a família Ceratopogonidae. Parte dos pesquisadores que iniciaram a linha se aposentaram, em instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e o Museu Emílio Goeldi, e nós estamos resgatando essa linha de estudos aqui na Fiocruz Amazônia e também na Fiocruz Rondônia. Para isso, contamos com uma intensa colaboração com o líder de estudos em Entomologia médica daí, Jansen Medeiros, estimulando e atraindo jovens pesquisadores a assumirem o desafio, nesses últimos 10 anos. Vale destacar que esse é um grupo de insetos muito pequenos, ficando em torno de 1 a 2 mm, alguns chegam a 3 mm, e ainda algumas espécies são difíceis de serem coletados por armadilhas.

Para a região do estudo (Rio Pardo), é possível informar quantas espécies de maruins já foram descritas na literatura científica?

Felipe Pessoa: Em Rio Pardo, começamos a trabalhar com maruins desde 2014, e como resultado, tivemos um levantamento com 89 espécies, com nove novas ocorrências. Essa é uma diversidade altíssima, considerando que os Culicoides possuem distribuição mundial, com exceção da Antártida e Nova Zelândia, e possuem 1.368 espécies registradas sendo que 299 ocorrem na região neotropical; cerca de 150 no Brasil e, destas, 123 na Amazônia brasileira.

Armadilha luminosa em comunidade de Rio Pardo

Nosso grupo de estudo foi se concentrando nos aspectos ecológicos. Como em Rio Pardo temos uma questão central sobre o processo de desmatamento e efeitos desse fenômeno sobre a diversidade de insetos vetores, fomos acompanhando um caminho desde a floresta e até o peridomicílio. Assim, como diversos outros vetores, encontramos uma abundância e diversidade muito alta em áreas antropizadas, incluindo peridomicílios, demonstrando que esses insetos se adaptam muito bem ao convívio humano.

Existe alguma relação dessas novas espécies com transmissão de doenças? Ou ainda é cedo para informar?

Felipe Pessoa: Vimos que diversos arbovírus de floreta circulam nessas áreas, incluindo Oropouche. Num primeiro esforço, detectamos Oropouche circulando entre mosquitos (Culicidae). Ainda não fizemos a etapa de detecção em maruins desses arbovírus, mas como ocorrem em pessoas e em mosquitos, e os maruins também são vetores, acreditamos que estejam também transmitindo a doença na área investigada.

No entanto, estamos estudando, além dos Culicoides, a diversidade geral da família, também concentrando esforços em nossa base de Rio Pardo, já que vários podem ser, inclusive, usados como controle biológico, já que são predadores. Assim, tivemos duas espécies descritas de um gênero, Palpomyia e, agora, três espécies de Atrichopogon.

Quais pesquisadores foram homenageados com os nomes dados às novas espécies?

Felipe Pessoa: Decidimos homenagear a população de Rio Pardo, que sempre nos auxiliou e, especialmente, ao pesquisador Sérgio Luz, que é um Entomólogo do ILMD, entusiasta e apoiador do projeto de Rio Pardo, além de um grande colaborador dos projetos que realizamos desde o início, em 2007. Ele dedicou quase toda a última década também na gestão da Fiocruz Amazônia, e impulsionou diversos projetos na área.

Um outro pesquisador homenageado foi Jansen Fernandes de Medeiros, com perfil semelhante ao do Sérgio, sendo também entomólogo e coordenador do Escritório Técnico da Fiocruz em Rondônia, além de colaborador e amigo próximo. Já trabalhamos juntos em parceria desde o início dos anos 2000, quando ainda estávamos como estudantes de pós-graduação.  Ambos abriram mão de tempo e vida pessoal para se dedicarem ao crescimento institucional de ambas as unidades e o desenvolvimento da pesquisa científica na Amazônia.

A descrição das novas espécies pode ser acessada no artigo: Descrição de três novas espécies de midge do gênero Atrichopogon Kieffer (Diptera: Ceratopogonidae) da Aamzônia brasileira (Description of three new species of biting midge of the genus Atrichopogon Kieffer (Diptera: Ceratopogonidae) fron Brazilian Amazon, publicado recentemente pelo periódico Zootaxa

Texto: José Gadelha

Fotos: Felipe Pessoa