O dia 28 de julho foi declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o Dia Mundial de Combate às Hepatites, uma forma de chamar a atenção para o elevado índice de morbidade e mortalidade provocado pela doença em todo o mundo. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Agência internacional especializada em Saúde Pública das Américas, vinculada à OMS) a mortalidade anual global por hepatite pode ser comparada à do HIV, tuberculose ou malária.
No Brasil, para intensificar as ações de vigilância, prevenção e controle da doença, foi instituído o “Julho Amarelo” (Lei nº 13.802/2019) como mês de luta contra as hepatites virais. Mas, as ações de conscientização sobre o grave problema de saúde pública em torno das hepatites vão muito além da data que é simbólica. Para se ter uma ideia, de 2000 a 2021, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificações (Sinan/Ministério da Saúde) 718.651 casos confirmados de hepatites virais, sendo que 38,9% (279.872) referem-se ao diagnóstico de hepatite C. Os dados podem ser visualizados no Boletim Epidemiológico Especial, divulgado em junho de 2022.
O que muitos desconhecem é que existe uma forma mais severa da doença, a hepatite D ou Delta, que se distingue dos demais tipos, por possuir mecanismos de lesão do fígado muito próprios, e diferentemente de um paciente com hepatite B ou C – que demora de 3 a 4 décadas para evoluir a um quadro de cirrose hepática – a hepatite Delta pode fazer isso em apenas 5 anos, alerta o médico infectologista Juan Miguel Villalobos-Salcedo, pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz Rondônia, que faz o acompanhamento de pacientes diagnosticados com hepatite, no Ambulatório de Hepatites Virais, em Porto Velho-RO.
Atualmente, o Ambulatório de Hepatites Virais em Porto Velho possui 8.015 pacientes crônicos cadastrados e oferece atendimento especializado a pacientes oriundos de todas as regiões do estado.
Confira a entrevista com o Dr. Juan Miguel.
Inicialmente, o senhor pode esclarecer o que é a hepatite e o que são as hepatites virais?
A hepatite é a inflamação do fígado e a inflamação de fígado pode ser de diversos motivos, dentre eles bebida alcóolica, medicamentos… todos eles inflamam o fígado, então produzem hepatite. Agora, o termo específico hepatites virais se relaciona com um grupo de doenças produzidas por vírus e nós conhecemos principalmente cinco vírus que podem produzir essas hepatites virais e elas foram nomeadas com as letras A, B, C, D e E. A eles nos referimos quando comentamos Hepatites Virais. Elas são as principais que nós estudamos e que atendemos os pacientes aqui no Ambulatório de Hepatites.
Os sintomas são parecidos?
A sintomatologia da hepatite A e E costuma ser o que chamamos de sintomas agudos, quando o paciente apresenta icterícia que é a cor amarelada nas mucosas, falta de coloração nas fezes, o escurecimento da urina, fora isso o paciente tem um pouco de mal-estar, mas em geral não é uma doença febril, como malária, dengue, mas indispõe o paciente, além de alterações significativas no apetite, isso dura em média uma semana, às vezes 10 dias e desaparece.
Agora, as hepatites B, C e Delta são o grande perigo porque são infecções silenciosas, qualquer pessoa pode ter e não saber até o momento de fazer o teste. A recomendação para toda a população é que os testes rápidos gratuitos feitos nas unidades básicas de saúde estão disponíveis. A pessoa não precisa de solicitação médica. É só chegar e dizer que quer fazer o teste rápido de hepatite, de HIV e sífilis. Esses testes são gratuitos na rede pública.
Olhando para a região Norte, como o estado de Rondônia está inserido no cenário das hepatites?
Rondônia está inserido na Região Amazônica e toda essa região é de elevada endemicidade para Hepatite B, sobretudo, é a mais endêmica na região. Mas, nós temos endemicidade também importante de hepatite Delta que é a hepatite D, uma hepatite que só se encontra aqui na Região Amazônica, sobretudo nos estados de Rondônia, Acre e Amazonas, a parte mais ocidental. Mas temos ainda hepatite A, hepatite C, e hepatite E que é uma hepatite que ainda desconhecemos o verdadeiro número de casos, porque não temos ainda os testes padronizados e necessários aqui no Brasil para fazer os exames de hepatite E, por isso desconhecemos. Como ela é de transmissão fecal-oral como a hepatite A, pensamos que devemos estar também com bastante número de casos, porque a região Norte é uma região em termos de desenvolvimento sanitário e saneamento básico muito precária, então nós temos maior endemicidade de hepatite A, do que nas regiões Sul, Sudeste ou outras regiões do Brasil que apresentam quadros melhores de saneamento básico.
Podemos dizer que a hepatite E tem despertado pouco interesse da comunidade científica?
A hepatite E nunca despertou grande interesse na pesquisa, porque é um vírus que não cronifica (não chega ao estado crônico), é como a hepatite A, produz a infecção, produz a inflamação e desaparece, não fica para o resto da vida no organismo das pessoas, como hepatite B, C e Delta, por isso o foco é muito maior nesse grupo de hepatites.
A e E que não cronificam, logo despertam menos interesse científico em termos de pesquisas e de desenvolvimento de novos estudos. Em paralelo, encontramos dificuldades por conta de não termos testes plenamente padronizados em todo o mundo para esse tipo. Então, podemos comprar, usar, mas depois não podemos comparar os resultados com outros países e locais que usam outros testes com características diferentes.
E qual explicação o senhor daria para essa incidência de hepatite D na Amazônia, o que está por trás disso? É alguma questão regional…
É muito provável que o vírus da hepatite Delta ou D, que está aqui na região Amazônica, é um vírus muito antigo ancestralmente porque é a única região de todo o planeta que tem o genótipo 3, que é o genótipo específico da região Amazônica. Então, se pensa que o vírus da hepatite Delta possa ter chegado aqui com os primeiros homens que habitaram a América, antes mesmo dos conquistadores europeus. As populações mais afetadas de hepatite são as populações ameríndias, são os indígenas. Então, é provável que essa seja a origem, é porque se concentrou num grupo de pessoas.
Desses tipos que prevalecem na região, quais os de maior gravidade entre os pacientes? Qual realidade o senhor tem observado?
Nessa divisão dos dois grupos daqueles que não cronificam (A e E) e daqueles que cronificam (B, C e Delta), a gravidade está praticamente limitada a B, C e Delta. A gravidade de A e E é muito pouco frequente. Claro que acontece, mas não é comum, e como não cronificam, quase não são tratadas como hepatites crônicas. As hepatites B, C e Delta são as que mais produzem quadros graves de saúde, porque elas podem determinar cirrose hepática, podem determinar câncer do fígado (hepatocarcinoma) e podem determinar a hepatite fulminante, aquela que você adquire e morre mais ou menos em duas ou três semanas.
Todas elas estão nesse grupo de B, C e D. Agora, quando a gente compara a gravidade dessas três, a hepatite Delta sem dúvida alguma é a mais grave, porque tem mecanismos de lesão do fígado muito próprios. Então, é mais comum ela produza a hepatite fulminante ou que evolua precocemente para cirrose hepática. Um paciente com hepatite B ou C demora 3 a 4 décadas para ter cirrose no fígado. Hepatite Delta pode fazer isso em apenas 5 anos. É a única hepatite que às vezes a gente vê crianças de 8, 10 anos com cirrose em estado avançado, por hepatite Delta. Agora, o número é bem menor do que hepatite B e C, mas é mais grave.
Existem fatores hereditários?
Não há nenhum fator hereditário. Agora, para responder à pergunta, pode ser congênito? Sim. O que é isso? A mãe, durante a gravidez, pode transmitir para o feto e para o recém-nascido. Mas, não usamos o termo hereditário, porque isso seria uma questão de estar no gene da pessoa e não existe essa transferência hereditária, mas sim congênita.
Como são feitos o diagnóstico e o tratamento das hepatites?
O diagnóstico é muito fácil e simples de fazer. O Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/Sesau), aqui do Estado de Rondônia, tem todos os elementos para fazer o diagnóstico de hepatite A, B, C e Delta. Não temos de hepatite E, como eu expliquei, mas todos os outros estão disponíveis. Hepatite A se faz um exame de sangue e se detecta essa hepatite; hepatite B, C e Delta é por meio de um exame de sangue também.
Sobre o tratamento, a hepatite A não tem nenhum tratamento, a não ser descanso, repouso, uma boa alimentação e o paciente deve esperar que o organismo reaja, mas as hepatites B, C e Delta, uma vez cronificadas, têm tratamento específico que é fornecido pelo SUS, através do Ministério da Saúde gratuitamente para todas as pessoas aqui no Brasil. Em geral, as unidades básicas de saúde são a porta de entrada para o atendimento, as secretarias municipais dos 52 municípios de Rondônia, que encaminham os pacientes para Porto Velho, bancos de sangue e consultórios particulares. Então, qualquer uma dessas instituições que detectam a doença encaminha o paciente que pode ser cadastrado no Ambulatório de Hepatites.
Saiba como funcionam os agendamentos no Ambulatório de Hepatites Virais.
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