O Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Rondônia, por meio de estudo molecular e genômico para rastreio das arboviroses no estado de Rondônia, em colaboração com o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-RO) e Secretaria Municipal de Saúde de Porto Velho (Semusa), analisou 536 amostras biológicas de pacientes com quadro febril agudo (entre dois e sete dias de sintomas), no período de janeiro de 2022 a fevereiro de 2023. Todos os pacientes tiveram resultado negativo para o exame de malária.
As análises concluíram que, do total de amostras, 4,17% (5/120) foram identificadas como dengue sorotipo 1, e 95,83% (115/120) para dengue sorotipo 2, mostrando a frequência desse sorotipo na região.
As amostras de vírus dengue sorotipo 2 foram sequenciadas e confirmadas para genótipo II Cosmopolita, que é a linhagem mais disseminada do sorotipo 2 atualmente, circulando nas Américas Central e do Sul e Ásia-Pacífico. Nas Américas, a primeira identificação ocorreu em 2019, durante um surto no Peru. E no Brasil, um estudo identificou os primeiros casos em novembro de 2021, no município Aparecida de Goiânia, estado de Goiás, mostrando uma visão preliminar sobre a introdução desse genótipo emergente no Brasil e na América do Sul. Atualmente, acredita-se que esse sorotipo seja responsável pelo surto de dengue em outras regiões do país.
Os casos estão distribuídos em 19 municípios de Rondônia, e se concentram principalmente em Porto Velho com 52,17% (60/115) dos casos, e em Presidente Médici com 13,04% (15/115). Em relação a idade, observou-se uma maior ocorrência entre pessoas com idade de 31 anos. Vale salientar que a dengue é uma doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti e que nos últimos anos vem se espalhando ainda mais para outras regiões, sendo que no estado de Rondônia observamos picos da doença principalmente no período chuvoso.
Estudos sobre outras arboviroses
Dando continuidade a esse estudo, foram testadas molecularmente 258 amostras negativas para dengue, zika e chikungunya, resultando na identificação do vírus Oropouche em 8 amostras analisadas. Dessas, 6 amostras são oriundas do município de Porto Velho (referentes a janeiro e fevereiro de 2023) e 2 amostras de Cabixi, interior de Rondônia (referentes a março de 2022).
Deusilene Vieira, pesquisadora em Saúde Pública, que coordena o Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Rondônia, ressalta a importância da vigilância molecular e genômica para essa região, considerando que
com esses estudos, é possível responder perguntas sobre essas lacunas de casos febris de origem desconhecida, de forma que se tenha um acompanhamento mais preciso sobre a origem das ocorrências e o perfil dos pacientes”.
Segundo a pesquisadora, o Laboratório de Virologia Molecular tem como proposta analisar 1.000 amostras ao longo do ano de 2023, visando identificar outros vírus que podem ser responsáveis pelos casos febris na região, lembrando que este trabalho é resultado de projeto submetido ao “Edital Inovação na Amazônia”, que reúne bolsistas, alunos de pós-graduação do Programa de Biologia Experimental (PGBIOEXP/Fiocruz Rondônia/UNIR) e pesquisadores colaboradores vinculados a instituições de outras regiões do país.
Para Jackson Queiroz, aluno de doutorado (PGBIOEXP) vinculado ao Laboratório de Virologia Molecular e um dos coordenadores do projeto de vigilância das arboviroses, a detecção do vírus Oropouche no estado de Rondônia chama a atenção para a importância do desenvolvimento e aplicação de novos testes moleculares para detecção de vírus que não são diagnosticados na rotina laboratorial, tendo em vista que a região Amazônica é um ambiente propício para o desenvolvimento de outras arboviroses.
Estudos sobre insetos transmissores de vírus
O vírus Oropouche (OROV) pertence ao gênero Orthobunyavirus, e os sintomas mais frequentes são febre, dor de cabeça, tontura, fraqueza, mialgia e artralgia (dor articular), semelhante a outras arboviroses, como a dengue por exemplo. Assim como dengue, ele ocorre de forma sazonal com números aumentados em períodos chuvosos. No estado de Rondônia, apesar de os dados epidemiológicos sobre a doença serem escassos, houve a estimativa de 94 mil casos humanos nos municípios de Ariquemes e Ouro Preto do Oeste na década de 1990.
O entomologista Jansen Fernandes de Medeiros, que coordena estudos no Laboratório de Entomologia da Fiocruz Rondônia, esclarece que o vírus Oropouche é transmitido a humanos por insetos cujo nome científico é Culicoides paraensis, conhecidos popularmente por “maruim, meruim” ou “mosquito pólvora”. No laboratório, pesquisadores com o intuito de monitorar a ocorrência do OROV em Rondônia aprovaram recentemente o projeto “Vigilância genômica do vírus Oropouche (OROV) em Culicoides (Diptera: Ceratopogonidae) para investigação da ocorrência da febre Oropouche no estado de Rondônia”.
As parcerias entre os Laboratórios de Virologia Molecular e de Entomologia da Fiocruz Rondônia e com o Laboratório de Virologia da Fiocruz Amazônia têm trazido grandes avanços para o conhecimento sobre insetos que podem transmitir vírus para humanos e animais em Rondônia”,
comenta a entomologista Genimar Rebouças Julião.
Um exemplo disso foi o estudo recente do grupo, que encontrou fêmeas do mosquito Aedes aegypti infectadas com o vírus Zika e um mosquito macho dessa espécie infectado com vírus Dengue-4 em Porto Velho. O estudo também registrou, pela primeira vez, na Amazônia brasileira, o vírus Zika em machos de Culex quinquefasciatus, espécie conhecida como mosquito doméstico comum ou carapanã.
Dentre esses achados, o mais significativo é a evidência de transmissão vertical/venérea dos vírus Zika e Dengue em mosquitos machos, “uma rota pouco frequente”, comentam os pesquisadores, mas que existe em nossa região. Este estudo completo pode ser acessado no periódico Microbes and Infection da Elsevier.
Texto: José Gadelha